Eu


   Fazia tempo que não pensava em pegar uma folha de papel e escrever. Fiquei dois anos com lapsos de frases e sentimentos que mal conseguia expressar. Minhas frases foram vagas, meus textos curtos e minhas poesias sem rima. Eu estava perdida e com isso minha poesia também. Sempre concordei que poetas eram observadores, pessoas que olham de fora, e de tanto compreender, sabem descrever plenamente os sentimentos de alguém. Achava também que era normal sentir pouco e entender muito; que era assim que tinha que ser. Só que não. Vi, que apenas quando fui capaz de sentir, mesmo que isso corroesse por dentro, foi onde consegui entender de verdade; foi onde vi que não escrevia palavras, mas elas me escreviam.  
   Os últimos dois anos me lembraram dum dia que estava no mar: eu amo mergulhar e estava fazendo isso quando veio uma onda grande demais e para escapar, então mergulhei para diminuir o impacto sobre mim. Jamais poderia ter me dado conta de o quão forte o repuxo poderia ser e rolei. Lembro-me de não conseguir respirar; arranhei-me na areia e bati a cabeça. Quando finalmente consegui levantar, vi meu amigo vindo em minha direção e meus pulmões encherem de ar. Doeu, mas então eu comecei a rir; rindo de alívio, rir porque eu consegui levantar. Ri tanto que no momento seguinte estava mergulhando em outra onda maior. As mudanças foram as ondas. Vieram fortes, imponentes e sem tempo para eu medir a dimensão. Eu rodei, rodei, levantava, ria e vinha outra. Mergulhar, porém, uma hora cansa; você quer sair e sentar um pouco e apenas observar de longe. Estou querendo sair agora. Estarei pronta para outra mais tarde.
   Exceto poucas pessoas, poucas mesmo porque alguns só fingem que veem, me viram mergulhar todas às vezes. Ninguém mais sabe, e supuseram que meu sorriso significava que estava  tudo bem. Decerto estava algumas vezes. Não sabem que meus arranhões ainda doem e que quase me afoguei, talvez ainda achem que sou a menininha que fica na beira. Não sou mais, mas ninguém se presta a ver isso. Sabe, contudo, eu podia ter me afogado, então agora quero que vejam, quero que sintam o medo que senti e a felicidade que senti também. Quero que vejam e sintam confiança e que estejam, de verdade, comigo. Eu tive sorte até agora – e fôlego! Até quando, porém? A maré muda, e aprendi a mudar com ela também.
   Saindo das metáforas e piadas a parte, tenho um pequeno recado: eu cresci. Mesmo que não vejam, mesmo que não queiram, mesmo que eu ainda tenha meus 1,54 de altura e meus tão poucos – e muitos- 18 anos. Não é fácil ver o quanto alguém muda, o quanto essa pessoa é capaz – ainda mais que muitos sabem muito bem esconder – mas não se finjam de cegos. Maturidade não tem a ver com idade e se fosse eu diria ter uns 40, porque de aprender ninguém nunca para e maturidade emocional é algo que sempre tive, ou tentei mais que a maioria das pessoas – mesmo as mais velhas - que conheço. Quanto à capacidade, isso é totalmente relativo. Prefere que eu fale das lutas internas ou externas? Em certo ponto elas se juntam de qualquer forma. Não fiz ou deixei de fazer mais ou menos do que qualquer um. O que fiz até agora você só pode descobrir se prestar bem atenção, olhar com cuidado: tanto os sorrisos quanto as lágrimas, enganam. E por favor, eu peço que tente olhar. O que farei? Nem eu mesma sei, e não preciso me preocupar. Voltando à metáfora: se já quase me afoguei, não tenho medo de sobreviver novamente se for preciso; e queria muito que acreditassem nessa força. Queria muito que, só às vezes, me vissem pelos meus olhos. (In)felizmente, não preciso provar nada também. Verão quando quiserem ver, e farei por mim, não por eles – bem às vezes por alguém, mas não por agrado, mas porque você acha alguém por quem vale a pena tentar outras coisas.
   Em poucos dias farei o tão esperado 18 anos, e ouvirei os mesmos discursos de todos os outros anos, incluindo, nesse, o tão ultrapassado “já pode ser presa!”. Já sou presa. Apenas não no que chamariam de ‘cadeia’. Ouvirei as mesmas frases “juízo”, “agora você tem que mudar”, “blábláblá”. Comigo mesma sempre pensei: “E quando fiz algo que desapontou alguém?”, sem contar que nasci, claro. Intenção não havia e é tão difícil notar o esforço que sempre faço? Para todo mundo? E também, desde quando eu sou estática? Toda vez que me olho encontro uma marca a mais no meu corpo; um brilho diferente no olhar; diferentes ‘eus’ que formam o ‘eu’ de agora. Só eu noto será? Então com tudo isso me pus a pensar: 18 anos... parece ser muito mais para mim; tanta coisa diferente porém amarrada, mas agora legalmente “livre”. Acho que está na hora de mostrar o que mudei. Mas só um pouco, porque na real, nunca deixei de mostrar algo, apenas lidava sozinha, calada, presa. Agora que “posso ser presa”, esta é a última coisa que quero, e vou lutar por isso. Sempre cedendo, obedecendo. Coisas necessárias mas agora já é excesso; parou de ser por respeito e se tornou por temor. Agora não tenho mais temor, então quem sabe? Sempre tão longe dos sentimentos de verdade, mas tão perto. Nunca entendendo como as pessoas da mesma idade simplesmente tinham escolhas mais amplas; como as pessoas tinham confiança que ninguém jamais depositou em mim – mesmo eu me enquadrando em “pessoa exemplo”. Sempre me considerei um erro, e sempre fiz as coisas mais pensando nos outros, para que eles jamais me vissem como um erro, que esqueci de quem eu realmente era: de principio, realmente um equívoco, mas hoje uma consequência. Uma consequência com escolhas e vitórias. Até ironia ser meu nome. Eu queria ser uma vitória para quem me conhecesse, mas esqueci-me de que eu tinha que valorizar as minhas; que eu tinha escolhas também.
Ainda não falo, e deveras nunca falarei tudo que preciso, tudo o que quero. Mas vejam bem, as ondas se acalmaram e eu tomei meu fôlego de volta. Assim, pela primeira vez, tenho realmente coragem de escolher por mim mesma e de pedir ajuda se for necessário porque mesmo que ainda me vejam como fraca – e sei que isso não vai mudar tão cedo – não tenho mais medo de mostrar do que sou capaz e nem vergonha das minhas reais fragilidades. Eu tenho que ser adulta agora, não? E é assim que adultos agem, não? É, muitas vezes não – e mesmo assim se sentem superiores às crianças. No fundo sinto pena.

   Então, pai, mãe, família, amigos, para os que já me conhecem e para os que vão me conhecer: essa sou eu. Não sou perfeita. Meus sentimentos não são estáveis. Tenho mal humor pela manhã. Não me peça para ser séria – até porque vou rir se me pedir isso. Eu sou espontânea mas cautelosa, e às vezes ajo por impulso. Considero-me alguém do momento: vive agora e não pensa no depois – não com as preocupações, já as tenho em demasia nesse exato momento. E agora, mesmo estando decidida a mudar algo, talvez eu não mude. Sou boa com palavras e isso é tudo. Nada escrito, contudo, foi uma mentira ou perda de tempo. Começarei algo, mas é bem provável que não vejas – iniciamos com pequenos passos. Cedo ou tarde sentirei medo também, mudanças dão medo, nos deixam com receio, e os terei em alguns momentos até entrar em pânico. Nesses períodos é onde precisarei torcer para não estar sozinha, precisarei torcer para que estejam comigo. Estando ou não, porém, eu vou passar por essa fase como sempre e farei outras metas que me permitirão pensar melhor para não ceder novamente. Ou seja, nada está escrito, nada é imutável e todo e qualquer plano está sujeito a não acontecer, mas há vontade. Por enquanto é o que me importa. Espero então que se forem me ver, me vejam de verdade; se for para exigir que exijam algo que não me destrua – e que não me faça rir de você por não ter percebido que eu já fiz tal coisa; e se for para amar, por favor, não imponham condições ou regras e tenham certeza disso – de indecisões já bastam as minhas. Então enquanto vocês pensam sobre tudo isso, eu estar aqui, evoluindo cada uma das palavras, sendo diferente de algumas coisas que escrevi -  pois sou diferente do minuto que comecei a escrever. E ainda estarei aqui sorrindo, que é a única coisa, que apesar de todas as mudanças, incertezas, e sabe se lá o que mais, jamais saiu de mim.

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