Um dia de Branco

                        O vestido branco era perfeito, exatamente como eu sempre sonhara. Era rendado e justo na parte do busto e caia leve e solto abaixo da cintura. A grinalda era um pouco mais comprida que meu cabelo e a tiara que a ajustava era de pedras marquesitas - minhas preferidas.  Com aquele vestido, e com o milagre que minha cunhada fez no meu rosto, eu parecia uma princesa, daquelas que tem seu final feliz com o casamento. Mas aquele não era o final, era apenas o nosso início, o meu e do meu príncipe Caio, juntos de vez daqui em diante.
                As nuvens estavam ao longe, provavelmente ia chover daqui algumas horas, mas naquele momento o sol brilhava forte, o carro em que me dirigia para a Igreja, estava quente - mas também havia cinco pessoas nele, tirando eu. Minha cunhada, Larissa, estava ao lado esquerdo e meu amigo Gustavo do lado direito. Matt e Dani, os caçulas do Caio, estavam, um no colo da Lari, e outro no banco da frente, ao lado do meu irmão. Eram a aia e o pajem mais lindos que eu já vira, ainda mais com aqueles sorrisos que ficavam me mandando toda hora, como se tivessem tramado um plano secreto. Provavelmente tinham, esse dois não paravam de fazer pirraça, mas sempre dava uma brincadeira muito divertida.
                 Nossa como eu estava nervosa, acho que nunca tremi tanto na minha vida, e um sorriso estava simplesmente congelado no meu rosto- era alegria de mais para parar de sorrir. Fiquei me lembrando de vários momentos meu e dele até hoje: dos momentos em família, os textos e poesias que escrevemos juntos, quando eu lancei meu primeiro livro e ele apareceu lá do nada, na fila, abriu meu livro e recitou um poema nosso, e me pediu em casamento na frente de todos…  De quando sorrimos sem motivo algum, de nossas brigas, discussões , e de tudo que passamos para ficar juntos. Não foi fácil. Cada um tinha sua vida em um lugar diferente, e momentos complicados e pessoais separavam-nos. Mas aqui estávamos nós. Eu sabia que nos amávamos muito, o suficiente para acreditar no “para sempre”. E nossas diferenças, bem, íamos lidar com elas todos os dias, alguns deles íamos nos sentir distantes, mas logo perceberíamos o vazio que o outro deixara. Assim é o amor: ‘e o que preenche o vazio após o desespero.
O carro estacionou na frente da Igreja, e todos saíram, estava saindo também, quando a Larissa disse que a noiva só pode sair quando todos descessem. “Aff, como se eu fosse morrer para descer do carro”. Meu irmão abriu a porta, e me pegou pela mão para descer. Mas sabe se algo não desse errado não seria eu: meu vestido ficou preso na porta e quase me estabaquei no chão. Ainda bem que o vestido ficou intacto, mas foi o suficiente para quase me fazer vomitar. “Nervos, nervos se acalmem”, mas eles não queriam. Algo dera errado, eu sentia isso. Se não fora o vestido, era outra coisa.
- O Caio não está lá.
-Como assim ele não está no altar?- Disse a Lari.
Ótimo, acabei de descobrir o erro na historia.
- Que?- senti as lagrimas pesarem. O  abraço do Gustavo me reconfortou um pouco.
- Não pode .- Larissa pegou o telefone e começou a ligar para ele.- Ele não atende- o rosto dela também já mostrava  preocupação, isso não era normal dele, muito menos no nosso casamento!
                Começou uma correria, eles entraram,  foram falar com o padre, e a eu e a Larissa ficamos ali. Nenhum som saia da minha boca, não precisava. As lágrimas demonstravam o que eu não conseguia dizer. Carro, sangue, Caio…  Um insight. E eu conhecia aquela rua. Era aqui perto. Não. “ NÃO”.
                Sai correndo. Se você nunca viu uma noiva correndo pelas ruas, não pode imaginar a cara com que me olhavam, mas aquilo pouco me interessava. Minha maquiagem provavelmente estava toda borrada, o que podia explicar a cara de “vi um fantasma”.
                 Então eu estava na rua do insight, e sabia que meu pesadelo era real só de ver a multidão ali, curiosos com cara de espanto. Tudo parecia em câmera lenta, como naqueles filmes que a gente vê no cinema: quanto mais você corre, mais longe parece. O carro dele estava ali, capotado: difícil saber se tinha mais sangue ou estilhaços. Os corpos estavam sendo retirados por pessoas que pararam, e pelos policiais. “Corpos? Vivos n’e?” minha mente não processava aquela informação. Eles estavam cobrindo três corpos com sacos pretos! “ Não”. Espera… Três? Faltava um. Com certeza esse foi o pensamento mais egoísta que eu já tive, mas esperava fosse o Caio, e que ele tivesse vivo. Mas eu era uma noiva no dia do casamento, esperando que seu marido não estivesse morto. Teria tempo depois para pensar nos outros.  Fiquei procurando onde estaria o ultimo corpo, mas minha visão estava embasada, e aquele monte pessoas no meio do caminho, não ajudava em nada. Caído um pouco na direita do carro, estava o ‘ultimo e eu sentia, era ele . Eu sentia que ele não ia resistir muito tempo.
- Você não pode entrar aqui. – o policial me olhou como se eu fosse louca, não sei se era pelo vestido, maquiagem ou por que eu queria entrar aquela cena mórbida.
- Encarei ele com ódio. Quem era ele para me impedir?
-E meu noivo!- empurrei-o e sai correndo.
                O homem que estava ali, tentando reanima-lo, percebeu que me aproximei, e se afastou, com cara de quem tinha feito todo o possível. Mentalmente eu o agradeci. Focalizei o corpo no chão. A testa estava sangrando, algumas partes do terno estavam rasgadas devido ao resgaste, e seu corpo estava cheio de arranhões, na pele que empalidecia. Eu me ajoelhei, e peguei a mão dele. Não havia mais pulso. Seu peito não se mexia e seu olhos vidrados me assustavam. Não sei o que mais doía, o fato de vê-lo ali, ou ter que aceitar aquela cena. O choro agora se transformava em gritos, a dor era grande de mais. Olhos me acompanhavam, e entre eles alguns reconhecidos, talvez Lari e os outros tivessem me seguido, mas não dei muita atenção.  Olhei para ele, e gentilmente fechei os seus olhos. Eu estava aceitando a partida dele? As vezes eu me odeio por isso, por ser capaz de compreender as coisas. Mas a única alternativa era essa. No bolso dele havia um relevo, mesmo sem ver, já sabia que ali estavam nossas alianças. Sequei os olhos e as retirei. “Aishiteru”. Nossa palavra de tantos anos- ‘amor’ em japonês. Quantas vezes essa única palavra foi capaz de me fazer mais feliz? Quantas vezes fora pronunciada após um beijo? Mas não era a palavra, era ele. Ele que me fazia feliz. Peguei o anel e pus no Caio, logo em seguida pus o outro em mim. “Ainda seremos para sempre”, sussurrei perto de seu rosto, e selei com um beijo. Deitei ao lado dele, e apoiei minha cabeça no seu peito. Eu chorava, estava perdida, mas eu sabia que não podia fazer mais nada. Só ia estar com ele enquanto podia. Enquanto não o tirassem de mim.
                O barulho das sirenes estava próximo, mas para mim não passava de um zumbido distante. As pessoas pareciam paralisadas. De canto de olho, via algumas chorar, e outras tirando fotos como se fosse um entretenimento. Mas não importava, nada naquele momento importava. Só havia vazio em mim, o vazio que o meu príncipe havia deixado, e ele nunca ia se preencher. Fechei os olhos, e desejei partir junto com ele. A chuva que antes parecia tão distante se fazia presente, como se os céus chorassem a nossa perda. As gotas escorriam no rosto, misturando-se às lagrimas. Pareciam tentar consolar. Então eu ouvi…. sim eu ouvi, como um sussurro: “aishiteru”. Caio? Levei um susto, e um sorriso fraco apareceu, e como se eu acordasse, suspirei.  “Aishiteru meu príncipe”.

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